Brasil veta sanções e propõe cooperação ambiental para fechar acordo com UE
Presidente Lula se reúne com Ursula Von Der Leyen, presidente da União Europeia Imagem: Presidência da República/Divulgação
Numa tentativa de fechar o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, o Brasil propõe que um sistema de cooperação seja estabelecido com os europeus no campo ambiental. O projeto, segundo revelou o Itamaraty, substitui a proposta original de Bruxelas que previa punições, sanções e elevação de impostos para produtos sul-americanos em caso de desrespeito por acordos climáticos.
No breve texto que circulou com a proposta do Mercosul aos europeus, Bruxelas aponta que há uma referência explícita contra quaisquer sanções ou mesmo "indícios de aplicação de sanções" contra produtos exportados pelo bloco sul-americano.
Os europeus saíram da reunião com a impressão de que se trata, acima de tudo, de um pedido de apoio financeiro. O bloco sul-americano estaria interessado em uma ajuda dos europeus para permitir que seus exportadores cumpram as exigências da UE.
Mas o texto vai além e, como antecipado com exclusividade pelo UOL, destaca que qualquer tipo de barreira imposta pelos europeus seria revidada com um mecanismo que permitiria "reequilibrar as concessões comerciais". Ou seja: o Mercosul se daria o direito de rever qualquer abertura a um setor de interesse dos europeus.
Os movimentos ecologistas da UE e o Partido Verde reagiram com preocupação, alertando que o gesto do Mercosul, se aceito pela UE, poderia representar um enfraquecimento do combate ao desmatamento.
Mas, para o gabinete da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a esperança é de que um acordo possa ser finalizado até dezembro deste ano.
De acordo com o governo brasileiro, a oferta foi recebida de forma positiva pelos europeus e há espaço para uma negociação que permita um eventual acordo, depois de mais de duas décadas de negociação.
Reunião nesta segunda-feira, às margens da ONU
O tema será alvo de uma reunião dos chanceleres do Mercosul, que estão nesta segunda-feira em Nova York para participar da Assembleia Geral da ONU. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abre o evento nesta terça-feira, com um discurso que vai insistir sobre a necessidade de uma reforma no sistema internacional e maior espaço aos emergentes.
Lula também leva para a ONU a garantia de que o Brasil apresentará um novo compromisso ambiental e, para o governo, as demonstrações do país indicam que a proposta da UE não faria sentido.
Lançada em 1999, a negociação para a criação do maior acordo comercial do mundo viveu um impasse nos anos de Jair Bolsonaro. Os europeus passaram a insistir que, para que o entendimento fosse fechado, o Brasil teria de dar garantias de cumprimento do Acordo de Paris e de metas de desmatamento.
O projeto europeu foi mantido depois da posse de Lula, o que irritou o novo governo brasileiro. O presidente chegou a dizer que as ameaças da UE eram "inaceitáveis" e que, se existe um pacto de relações estratégicas entre os dois blocos, tal comportamento não seria adequado.
Protecionismo camuflado
Para o Itamaraty, a questão ambiental era o argumento que os europeus esperavam para justificar medidas protecionistas contra as exportações agrícolas do Mercosul. Ao longo dos últimos 20 anos, os setores mais reticentes em promover qualquer abertura foram buscar argumentos em diferentes crises que afetaram o país, inclusive doenças fitossanitárias e corrupção.
No caso atual, a UE previa que medidas de retaliação possam ser adotadas caso:
O Brasil não cumpra o Acordo de Paris
Metas de redução de desmatamento não sejam atingidas
Um produto exportado seja resultado de um recente desmatamento
Na semana passada, numa reunião preliminar, o Brasil apresentou a contra-oferta. Nela, o Mercosul substitui todos os mecanismos de sanções por propostas de cooperação para que os dois blocos se unam pela preservação da Amazônia.
Um dos sistemas que poderia ser explorado seria o Fundo da Amazônia. Apesar de prometer recursos para o mecanismo que havia sido desmontado por Jair Bolsonaro, os europeus ainda não efetivaram os depósitos de forma integral.
Itamaraty diz que ações do governo Lula desmontam argumento europeu
O argumento do governo Lula é de que os dados, em 2023, mostram uma queda do desmatamento e que todo o esforço da nova administração vai no sentido de um compromisso com a causa ambiental.
Segundo o governo brasileiro, houve uma compreensão por parte da Europa de que o momento era outro, que a nova gestão não repetiria o negacionismo climático de Bolsonaro e que as ações nas áreas mais críticas começam a dar resultados. Para o Itamaraty, o governo tem hoje credibilidade para que sua proposta possa ser considerada.
A avaliação interna no governo é ainda de que, com os primeiros resultados de queda de desmatamento, o Brasil conseguiu desarmar os argumentos europeus, que poderiam ser usados como barreiras protecionistas contra as exportações nacionais no setor agrícola.
Agenda intensa
Com a proposta ganhando força, a ideia dos negociações é de que reuniões semanais sejam realizadas entre o Mercosul e a UE, seja de forma presencial ou por videoconferência.
Depois do encontro desta semana entre os chanceleres, com o objetivo de alinhar a posição do bloco, europeus e sul-americanos voltam a se reunir na próxima semana.